Aos domingos, eu estava presente, sempre, junto a toda a comunidade, na celebração da palavra, no único templo que havia naquela região. Ouvíamos o sacerdote, que falava sobre a preservação de valores que, nem sempre, eu entendia ou via utilidade.
Continuava minha vida, neste ir e vir de ideias e ideais inquestionáveis, cristalizados, sobre os quais eu sequer refletia. Era tudo estranhamente confortável e acolhedor. Existia uma paralisia no ar daquela ilha de pescadores. As mulheres, vestidas com tecidos escuros; os homens, sempre sem camisa; as crianças... As crianças... Nem sempre brincavam. Nem sempre sorriam. Nem sempre tinham seus famosos "por quês". Apenas brincavam de pegar peixes nos rios que desaguavam no mar.
Foi numa quinta-feira que chegou Agenor. Ele chegou num barco maior. Uma navegação que nunca havia atracado na Ilha dos Touros. Era moreno, era queimado de sol. Era atraente. Estranhamente atraente. E me convidou para dar uma volta no seu barco.
Saímos. Tarde. Era 5 horas da tarde. O tempo fechava. Mas ele disse que não haveria perigo, afinal, conhecia bem o mar. Deu 6, 7, 8, 9 horas da noite. O céu estava pesado e não tinha estrelas. Eu chorava de medo, mas ele dizia que a vida só valia a pena se nos aventurássemos para enfrentar o mundo. Dizia que eu devia enxergar além do horizonte, além e mais além. As ondas aumentavam, a medida que navegávamos mais próximos as correntes.
Até que, em meio a uma onda e outra, apareceu um ser, do meio de um turbilhão de águas. Eu nunca havia visto algo assim: ele era meio homem, meio peixe. Tinha cabelos brancos e longos, molhados de água e sujos de sal. Gigante, tinha um tridente em sua mão direita, de ouro. E surgiu, todo em um azul neon e iluminado, do fundo do mar, me lançou uma ordem: "MERGULHE!"
Ao ouvir a ordem, fui sugada por uma força intraterrestre, para o fundo do mar. Fui ao mais profundo do mundo. E o ar não me faltava. Eu não sabia mergulhar, como podia estar bem? Sim. Eu estava bem. Vinha-me uma sensação. Uma sensação estranha. Mergulhei até chegar a uma rocha submarina. Lá tinha uma arca. Aberta. E uma poção. A poção era iluminada, assim como o ser que havia me dito para mergulhar. Era revestida com ouro. Era de vidro.
Eu bebi.
Uma luz me rodeou, me envolveu, me transformou. Eu criei uma cauda. Escamas me apareceram. Eu fiquei azul neon. E nunca mais. Eu disse nunca mais. Nunca mais voltei à Ilha dos Touros.
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