O tempo (duas pedras de gelo)

O tempo corre. Voa. Era tudo calmo, quando nasci. Embora eu tenha nascido em meio a um conflito. Eu tinha uma pele de pêssego. Meus cabelos eram poucos. Minhas gengivas, frágeis. Não me controlava. Apenas chorava, quando tinha fome. Sorria a qualquer gracejo.

Eu fui crescendo. Aprendi, com muita alegria, a ler um livro que contava que a mola havia caído na mala do macaco. Na escola, sofria com a perseguição de um filho de militar. Ele cantava "Clementina, Clementina, Clementina de Jesus" enquanto corria atrás de mim. Eu sentia-me muito mal com aquela coisa persecutória que não tinha nenhum motivo óbvio, a não ser eu ser eu uma garota e, Leonardo, um menino.

Também, nesta mesma época, havia o Binho. Ele insistia em colocar os dedos nos meus olhos, quando estávamos no carro da condução escolar. Isso porque era a mãe deste garoto quem dirigia o carro. E ela nem fazia nada quanto a isso. Era uma injustiça. 

Fui crescendo. Na terceira série, Dandara, uma garota da minha turma, que tinha três vezes o meu tamanho, decidiu brigar comigo, não sei o porquê. Ela apenas começou a me agredir. E eu, como Davi enfrentando Golias, acertei-lhe um chute na canela (era o que estava ao meu alcance). A briga parou. Aquela raiva: não quero nunca mais senti-la.

No ano seguinte, foi na aula de informática que ocorreu um conflito muito sem propósito - como toda e qualquer outra guerra. Eu queria sentar em uma vaga para usar o computador e, Henrique, um menino gordo e feio, veio ao mesmo tempo que eu sentar-se na mesma cadeira. Ele me enfiou a mão na cara. Eu revidei. Não lembro qual foi a solução. Só sei que não durou muito. Graças a Deus.

A adolescência... A adolescência... Fase difícil. Muita tristeza. Muitas músicas do Legião Urbana. Muito tempo no quarto, sonhando com o príncipe encantado. Muito tempo chorando. Muito tempo rindo com as amigas, também. Pirulito das Spice Girls. Festas no Comary. Solidão.

Depois... Depois disso... Eu não sei. Talvez eu escreva sobre minhas rugas, em breve. Há quem diga que eu não aparento ter a idade que tenho. Mas, quando me olho no espelho, me vejo velha. Sei lá. Quarenta anos... Parece muito. Mas, pode não ser tanto assim. Eu me arrependo de não ter aproveitado a companhia de pessoas que me fizeram bem. Acho que não lhes dei a atenção devida. 

Acho que não te dei a atenção devida. E agora, te perdi. Espero te encontrar, algum dia.
 

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