Nice e João (duas pedras de gelo)

Foi uma tarde. Ele ligou. Dezenas de vezes. Queria muito conversar com alguém. Há anos não sabia mais o que era ter alguém por perto. Estava ficando louco com isso. E queria muito estar com aquela mulher.
Ela era misteriosa. Nem percebia que ele a notava. Ele vigiava cada passo dela. Isso ocorria no mercado, onde ele trabalhava e ela comprava macarrão. 
Uma vez, a moça viu o rapaz: ele estava com os cabelos desgrenhados, com um moletom, sujo de tanto carregar caixotes de frutas. Ela sentiu-se diferente ao mirar o olhar impressionado, doce e, ao mesmo tempo, perdido daquele sujeito.
Nice não reconheceu João. Ele era apenas mais um em sua lista de amigos. Ela não tinha noção de quem ele era.
João ligou para Nice. Ela atendeu. Eles conversaram, mais por insistência do moço do que por uma vontade recíproca de conversar. 
Ele disse que não suportava estar sozinho e precisava de alguém. A resposta foi que ela não tinha tempo para relacionamentos profundos. E João queria dizer o quanto sonhava com casa, filhos e cachorros. Mas a mulher só queria ganhar a vida. 
Ele deu um ultimato: ela negou. Porém, João disse: se mudar de ideia, avisa. Ela mudou de ideia e avisou. Ele foi ríspido, dizendo que ela era desfrutável e leviana.  Nice se ofendeu. Desligou o telefone. João andou, saindo do trabalho, atravessou a rua, encaminhou-se para a rodovia. Jogou-se na vida.

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