Inácia e Alfred (duas pedras de gelo)

Em meio a um horror de notícias falsas, mentiras loucas, difamações e calúnias, ofensas, vitupérios praguejantes, Inácia seguia sua vida. Ela era uma quarentona quieta, na dela. Havia chegado a idade da Loba sem nem ser pega pelo mais inofensivo Coelhinho da Páscoa (nunca em sua vida havia conhecido um homem a menos de 50 centímetros de distância de seu ventre).

Inácia saía para seu modesto trabalho de datilógrafa em um escritório na avenida Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro. Caminhava com sua singela silhueta de Marilyn Monroe e seus lábios, pintados em um leve carmim, assim como Monica Belucci em Maléna. Atravessava o Beco da Batalha seguindo para a rua Santa Luzia, em direção a mais um dia de muitas laudas ditadas por Doutor Ernesto Figueiredo, o grande comandante daquele escritório de advogados e aspirantes a qualquer coisa, coisa alguma ou a alguma grande coisa.

A secretária executiva sentia-se muito tímida sempre que encontrava o mais novo office-boy da firma. Ele se chamava Alfred Al Alain e estava prestes a formar-se em direito. Mas ele nunca conseguia uma boa posição no trabalho. Sofria trapaças das mais variadas de todos os colegas, que nunca eram amigos (nem ao menos entre eles mesmos). Em todas as antigas funções, Alfred fora demitido por desleixo.

Alfred gostava de admirar Inácia em seus trajes: saia lápis, meia-calça com costura atrás, scarpin bem alto, um blazer acinturadoA moça, que já era uma senhora, caprichava no estilo um tanto pin-up. Ela havia se tornado uma quarentona naquele ano e sentia-se só. Ela descontava toda sorte de solidão em roupas, maquiagem e sedução.

Era estranho porque a exímia datilógrafa se esmerava no visual, mas não tinha um pingo de maturidade e nem sex appeal. Andava de maneira trôpega em sapatos finos que a machucavam. As saias, estreitas demais, faziam a mulher elegante perder-se em tentar colocar um pé sempre em frente ao outro, jamais um joelho ao lado do outro. Era algo assim da ordem do impossível de viver - e de andar.

Um belo dia, Inácia pediu a Alfred que trouxesse um cachorro-quente e um refrigerante para o lanche. Ela deu-lhe vinte doletas, o que ainda lhe sobrava de troco cinco pilas que a requerente deixou que ficasse com o humilde serviçal. 

Ele foi. Viu. Pediu. Comprou o lanche. E com o troco comprou cigarros. Ele sentia-se mais importante quando fumava. Ele sentia-se comparável a Ernesto, o Doutor Figueiredo. 

Doutor Figuereido tinha cinco escritórios naquela região do Rio de Janeiro. E, no Brasil, tinha um total de vinte e cinco escritórios. Os amigos lhe pediam qualquer coisa, qualquer coisa ele dava. E Alfred, por sua vez, tinha muita vontade de pedir. Achava que, com o cigarro, seria convicente o suficiente para ir para São Paulo. Seu sonho era prender os figurões da máfia corrupta que assolava o centrão do País.

Alfred começou a arquitetar, no caminho para o escritório, o que faria para convencer um magnata da argumentação e, enfim, conquistar uma posição na alta sociedade. Ele pensou em Inácia. E pensou bem. O elevador chegou. Alfred entrou na cabine com o lanche numa mão e o cigarro na outra. 

Chegou ao quinto andar, finalmente. Alfred não pensou muito quando viu Inácia vindo em sua direção e Doutor Figueiredo na porta final do corredor. Ele simplesmente colocou o cigarro na boca e, com um certo malabarismo, segurou o isqueiro com a mesma mão, enquanto acendia o tabaco. O lanche, na outra mão, ele logo entregou à Inácia. Mas ele o fez com tal destreza e ginga, que Inácia ficou estarrecida. E, num ballet delicado e jazzístico, Alfred segurou a quarentona na cintura e roubou-lhe um beijo. 

O boy virou-se para o chefão do gabinete e arguiu: 

-Então, sou ou não sou merecedor de prestígio?

Doutor Figueiredo apenas lhe comunicou em um tom baixo e grave, com a voz rouca:

-É sorte de principiante. Você vai ser demitido por assédio sexual.



Comentários